sábado, 28 de maio de 2016

fluxo


esta manhã eu senti que ia morrer
foi tão estranho,
a sensação de morte me acompanha em efeito boomerang
tem tempos
mas dessa vez foi real
não sei se por conta do excesso de álcool na noite anterior
ou o café ingerido para tentar frear a ressaca que a piorou
mas tive algumas horas de taquicardia
dormências nos braços
foi estranho
quando o físico dá esses alarmes, a mente já constrói os enredos póstumos

quis escrever algumas notas de despedida
o celular me sabotou com bateria descarregada
fiquei confabulando o que as pessoas fariam
quanto tempo demorariam pra notar meu corpo enrijecido e sem vida na cama
como tenho dormido fora de horários normais, acho que só perceberiam quando começasse a feder, aqui em casa respeitam minha hibernação
construí essa distância sendo rude com eles, não me orgulho, que fique claro

pensei muito sobre o que estava pensando antes disso tudo
revia arquivos na memória
fotos do passado
felicidades efêmeras
ultimamente reflito sobre os rumos que dei à meus passos
questiono se de fato o amor é esse rombo que fica depois que as pessoas se afastam
penso nos amigos
nos amores
nos vazios que deixam
e eu tento recolorir
reviver
resignificar
mas é tudo vão,
é tudo vão
e eu caio
sempre.
me vejo caindo
um nimbo lembrança
um estado de nunca aqui
nunca presente
nunca estar plena
viver em dúvida
reviver perguntas
repensar respostas já dadas
estudar kms já passados

tenho me afastado dos meus amigos
ou tenho afastado meus amigos de mim
não sei direito

nem mesmo as inspirações eu ando acatando
as poesias
as rimas
as ideias me veem
e eu as deixo circular pela mente
sussuro as palavras
soam tão lindas assim
mas não as quero prender
ultimamente tenho deixado fazer o que quiserem de mim
estou presa a meu corpo
e meus pensamentos
não sei se é saída prender também essa parte do que sou em papel


se eu tivesse morrido esta manhã
como seria?
pra onde iria? será que eu estaria observando ao longe as reações? será que eu poderia escolher por onde vagar, a quem espiar?
pra onde eu iria?
o que de fato ficaria pro mundo, desses trinta anos de mim?

grandes são minhas pretensões,

será que os escorregões seriam pra sempre sepultados? os amigos e familiares tolerariam-me muito mais agora enquanto memória, creio.
as divergências dariam espaço pras celebrações e choros conjuntos?
diriam que morri jovem?
iriam procurar em suas gavetas as cartas que mandei? leriam os livros que tanto recomendei? e as músicas, as bandas esquisitas que divulguei? agora revirariam os links, os rastros virtuais que deixei?

uma morte besta, não sairia no jornal.
talvez nem doesse,
fosse só um ar negado,
um suspiro invertido convidando pro além

eu ainda penso
pra onde iria?
como as pessoas reagiriam?
quem viria em casa reorganizar lembranças? pleitear significados entre os escombros da minha existência acumuladora

tão apegada que sou
a coisas
histórias
e pessoas
não sei se iria facilmente para o novo
não sei se acataria os chamados para luz
eu talvez ficasse de ouvinte e plateia dos caminhos dos meus com essa Janaína morta

preciso rever o que sou
preciso compreender em vida o que significo
se de fato existo como existem em mim
esses amigos
esses amores

ainda bem que não foi dessa vez,
mas também nunca se está pronto pra morrer.

(jm)

julho/15