quarta-feira, 29 de junho de 2016
[ Rita ]
Rita falava pouco e pouco também era o que a tirava do sério. Em seu trajeto dos dias, pessoas a olhavam como se identificassem algum grave defeito. Ela já não ligava, era sempre assim. Aquele olhar de desdém ou o pescoço de medir insignificância que lhe apontavam pela rua fazia parte do percurso.
Há alguns meses Rita tinha convidado sua mãe para vir à cidade grande, sabia que envelhecer sozinha não era coisa de se permitir escolher. Seus irmãos não davam a mínima e o restante da família dizia "ter problemas demais". A mãe não aceitou de primeira... era costume daquela senhora que a criou se fazer de durona. Escondia os remédios que precisava tomar e por vezes fazendo isso até os perdia. Os médicos no interior são bem intencionados até, mas não dão conta de tanta demanda, nem perceberam as faltas e o avançar da doença. Depois de muita insistência e diferentes estratégias de convencimento, Rita conseguiu combinar o dia da mudança.
A mãe fazia questão de dizer que seria só por uns tempos, a filha sabia que era pra sempre. Ao menos até o sempre de sua progenitora.
O tempo correu rápido, chegara o dia de buscar sua mais importante hóspede na rodoviária... Assim que a mãe desceu do ônibus, Rita sentiu um bambear nas pernas, o ombro sentiu a responsabilidade e pesou, só pode. A passos lentos e conversas desconexas caminharam juntas. Pela primeira vez a filha seria responsável pela mãe... ela só pensava que estava vivendo uma gestação ao contrário... seriam meses de preparação para o fim... quando sua mãe se preparava não para dar, mas para encontrar a luz.
Rita determinou-se a fazer deste período o mais significativo e feliz para elas, mesmo sabendo que, até então nem ela havia encontrado a receita, o caminho, a razão... Mas sabia fingir bem... na cidade grande a vida também é de aparência. Há muito sangue e choro a noite, mas com o cantar do galo todos já estão a postos para fazer coro com ele e trabalhar, trabalhar sem parar.
A mãe assustou-se com as novas dimensões e paisagens, mas sabia que tamanho não significava muito. O maior medo dela era outro: ser descoberta. Ter sua fraqueza exposta e atrapalhar a vida da filha. Teria que fingir estar bem, dar conta do recado, não sucumbir a doença... Esticar os dias a ponto de serem suficientes para convencer que podia voltar... preferia morrer sem platéia, ter o corpo parte da terra de onde veio, alimentar o que já a alimentou. Morrer na cidade, ela pensava, só daria destino cinza e fumaça, e ela não queria.
Ambas pensando, cada uma em seu mundo paralelo, encontravam-se repetindo a tarefa comum como mantra: fingir, fingir, fingir.
(jm)
exercício para a oficina de Escrita para Mulheres com Jarid Arraes no Sesc Consolação. 27-06-16
{ cena comum }
o fósforo em suas mãos
queimando minhas certezas
acinzentando todo futuro
que não pude ter.
odeio ser inflamável
odeio estar sempre prestes a explodir.
meus passos buscam distâncias
mas o olhar está sempre
a dividir horizontes.
caminho,
mesmo sem saber
até onde sua chama alcança.
(jm)
26-06-16
Alfenas - MG
[a poesia re-vida]
daquilo que salta aos olhos
um sentir que extrapola o corpo
a vivência nada amena
de se lançar nos dias
sempre tendo algo a perder.
que a burocracia não te consuma
que o trabalho não te destrua.
a poesia sobrevive
ao tempo
é forte!
a poesia nasce
no subúrbio cansado dos dias
é eterna!
a poesia é a beleza
que te faz continuar viva
é cura!
(jm)
26-06-16
Alfenas - MG
sexta-feira, 10 de junho de 2016
das vezes de ser ponte
estar entre o ontem e o futuro
ser o agora que rompe
prepara o solo e o corpo
a fração de segundos que muda o rumo
decide entre vida e morte
os batimentos aceleram
raios solares no olhar trocado com horizonte belo e promissor
mas és ponte
ponte é passageira no caminho
possibilita atravessar de um território a outro
é chão entre dúvida e certeza
depois de percorrida, difícil quem queira voltar
ou agradecer
os pés pisam-na
e vão
ela fica e lembra com saudades do tempo que ficou sob
assiste o céu enquanto o próximo chega
e se vai
////
(jm)
quarta-feira, 1 de junho de 2016
~ postais ~
cartões postais
só tem vida
quando visitados.
[sobre RJ e seus prazeres , maio /16]
(jm)
Foto: jm
Paisagens: Lagoa Rodrigo de Freitas e Marília Rossi.
c o n t u r b a d a
nunca pude ouvir o silêncio
nunca pude sentir o gosto da paz
cada vez mais barulhos
sacodindo
dentro e fora
cada vez mais desatinos
sufocando
mente fugaz
não há um espaço ocioso
a vida exige velocidade
ritmo e saúde
não garanto
ouço o despertador gritando
corpo pedindo trégua
atraso
o peso é muito
o estrago maior ainda
sei que posso
mas posso pouco
perto do tanto preciso
pesadelos ocupam as noites
almas guerreando sem descanso
não lembro tudo
mas o despertar machuca
interromper diário
dos dois planos
e eu jogada
lá e cá
aguardando sinais
(jm)
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