sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

| corpo-sangue |

 o corpo vivo

sangrando em excesso

pede socorro


o corpo aparentemente vivo

morde toda esperança 

que vê

alimento pouco para 

não se partir


corpo que nada cabe

corpo que nunca coube


corpo que se vende adulto

em flash, passo

porte e casca

mas por dentro infante 

perdido chora

sem colos, risos 

nem rumos


corpo que tanto se empresta

se esforça

se curva

se aperta


corpo que não sonha 

porque não dorme


corpo cansaço de luta muita

clama festa de almas e luzes 

a dançar


corpo corpo corpo  

corpo disparadeiro

corpo mar

corpo onda

inundação


corpo tão nu

corpo meu

corpo sagrado 

que carrego


corpo de quem ora

aterra

banha

geme

e abraça


(jm)

out/2020 

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

| proletária |

 

ter a interdição como companheira da vida


na infância por justificativa da responsabilidade ausente


na juventude por alegada falta de independência e juízo


na vida adulta, com todos os requisitos anteriores

falta energia, saúde, rebeldia e vontade.

somos o ser que se esquece a que veio.


vivemos pra reproduzir caminhos já idos

dos nossos que tanto já se cansaram

pegar o bastão deixado 

e correr

obedecer

amansar 

se conformar

pra pagar o teto e não morrer de fome.


esperando o próximo

que chega

assume o bastão

e também se vai.


(jm)


| devaneios |

 

na tormenta do agora

o invisível se mistura 

e grita os segredos que tanto guardava


seu ouvido não absorve os ruídos que se multiplicam

e bagunçam o entendimento

que nunca existiu


os corpos rodopiam

nos planos confusos

e sem donos


sonhando outras realidades

certezas vividas em visagens


tudo é caos

negação

e súplica


mesmo os que acreditam na força divina

sabem que isso não é mais um teste

uma mera prova de aptidão aos encarnados


mas o fim

o ruir 

de tudo


o vazio que se encheu

de nós


(jm)


sexta-feira, 2 de outubro de 2020

| Miniconto - Afrodiaspórico |

Era uma vez, Maria.

Mulher adulta tomada de euforia e ansiedade por uma notícia recente.

Desde então, Maria passava muitas horas lembrando da menina que foi.

Pensava também nas infâncias dos cinco filhos, hoje já grandes.

Nesse passeio com as memórias, lembrou-se das bonecas que tinham. Avistou a cena da primogênita ainda infante, chorando copiosamente dizendo que havia nascido com a cor errada, buscando produtos de limpeza para esfregar-se.


Maria, em lágrimas, num pulo voltou para 2020. Pegou sua bolsa e saiu sem avisar pra onde.

Passado algumas horas, chegou com um pacote caprichosamente embalado e o guardou em silêncio. E assim ficou por um tempo. Toda mistério.


Meses depois, no chá de bebê da filha, levou o presente.

A boneca que em suas infâncias não tiveram, mas que a neta poderia brincar.

Mãe e filha se abraçaram, a neta da barriga sentia tudo.


"Daqui a pouco tempo, quando ela sorrir ao se olhar no espelho, serei eu a presenteada."

Disse Maria, a avó.



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toda história é tendenciosa,

toda história, por mais que se disfarce, tem um propósito. escancaro nessas linhas, alguns dos meus.


janaína moitinho     _______________       sp, outubro de 2020


obs: exercício feito para compor avaliação em disciplina ministrada por Milton Cunha na pós-graduação em Relações Étnico-Raciais da UCAM.

| Miniconto - Povos da mata |


Disseram que Iracema entrou na faculdade. Hoje será sua primeira aula.

A menina estuda tanto que o cacique Irapuã decidiu que será a responsável por registrar e proteger os saberes do nosso povo nesse espaço. 

A gente sabe que precisa estar em todos os lugares, senão eles acabam conosco, como vem fazendo há centenas de anos, desde as invasões.

Mas a gente resistiu. Com muita luta e muita festa.

Os encantados nos protegem e mostram as armas que devemos usar.

Somos suas sementes.


Aliás, preciso ir agora, já é hora de fazer o pirão pra celebração dessa noite. Dançaremos com nossos ancestrais para comemorar a notícia. 




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toda história é tendenciosa,

toda história, por mais que se disfarce, tem um propósito. escancaro nessas linhas, alguns dos meus.


janaína moitinho     _______________       sp, outubro de 2020
obs: exercício feito para compor avaliação em disciplina ministrada por Milton Cunha na pós-graduação em Relações Étnico-Raciais da UCAM.

terça-feira, 1 de setembro de 2020

| ensaio sobre os fins |


meses na atrofia do corpo

hiperventilando a mente

minuto a minuto

ansiando lampejo


angústias dançam passos passados

cenário redemoinho de memórias quebradiças

machucando presente


moendo vidas em tempo suspenso



não me espere distraída pra morte*



a extinção


me funga o cangote



no terreno da dúvida 

planto um futuro


(jm)


*referência a canção de Otto - "Distraída pra Morte" (gravada no álbum Samba pra Burro, 1998).


terça-feira, 18 de agosto de 2020

| vídeo-poema | "fósforo"





*exercício a partir da oficina "luz, câmera e poesia" com luiza romão, lais aranha e renata pegorer em jul/2020.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

| das ordens dos dias |



em tempos de vigilância e medo
o invisível grita o fim que sempre esteve 

obrigam distância
prudência e apatia 

no mesmo espaço
há outro algo que se move voraz

distraio em viagem imemorial

não há o que tire dos poros
e da alma
a marca deixada

espreito corpo amado ao longe
 

ó, senhores da boa moral e da limpeza, 
vos digo:

o amor que carrego é vivo

sujo

e mais urgente


(jm)

sexta-feira, 24 de abril de 2020

| pele |


a pele que habito
ferve vontades

a retina umedecida
rebobina semblante ausente

o sorriso morando na fantasia do impossível

um corpo endurecendo na saudade

e a palavra de nada serve
pois nem a mim convence


(jm)


em rascunho perdido de 2018

| atotô |


reverencio-te

...


que o caminho de quem vai
seja guiado por sua mão

todo luto plantado na terra
transformado
em nova compreensão


e a chance
de existir diferente

pra quem foi poupado


...

mundos ruindo
sendo devolvidos

tantas almas vagando fluídas
os planos misturados
entre novos códigos cifrados

e nosso tempo
assombrado.



(jm)


| ... |


nos dias trancados
muitos partiram

de frente ao hospital
acordo ouvindo choros

o corpo enrijecido
não escuta mais os gritos

eu sim

não agradeço
não olho


os lutos negados
os tantos não velados
são muitos gritos ainda
entalados


acordo
por eles
oro

e me guardo


(jm)


24/04/2020

quinta-feira, 16 de abril de 2020

| vocifera vol.2 |


já são vários os dias em que só a Terra se move

a nós
o único passeio permitido por hora 
é o da memória

perdemo-nos uns dos outros
os planos caíram um a um

desculpa,
não posso mover-me agora

sobreviver é a única urgência

dói o existir
dói além a iminência do não mais


a escuridão dessas cavernas
guarda novos platões
a espera.

(jm)

abril/2020
texto para o experimento "Vocifera" de Marcos Bassini, 
resultado disponível em: www.youtube.com/watch?v=181nn9it2Cc
ou https://open.spotify.com/episode/3CF757uuG2iBlzDaOs4eHT