terça-feira, 20 de setembro de 2016

[não morreu]


tudo que a gente quer muito
matar
sobrevive


tudo que a gente quer muito
reviver
morre


(jm)


*sugestão de atualização por Michele Santos <3

a linha nada tênue




engajado      <<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<


>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>     enganado

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

[ A noiva ]




A mão havia sido pedida. O derradeiro ato selava o protocolo entre as famílias. Os semblantes pareciam disfarçar intenções pouco amorosas. Faltou ar. Nem por um instante a garota pôde falar. Começava a odisseia dos preparativos para a cerimônia. Mãe e sogra maquinavam tudo em infindáveis detalhes. Só comunicavam o necessário. Buscavam-na quando nas provas do vestido já escolhido. Contrataram centenas de profissionais para que a festa estivesse a altura da ganância deles. 


Duas famílias importantes, empresas e muitas ações em jogo. Os homens da família continuavam levando os dias embrulhados em seus próprios negócios, assinando os cheques e cuidando de convidar os maiores sobre-nomes da sociedade. "O grande dia está próximo". 


O silêncio morava na menina. Ela havia paralisado, mudado de cor. Mas era tanto barulho e movimento ao redor, um vai e vem de gente e papéis. Listas, convites, telefonemas, agenda, cardápios, decoração, matéria de revista, roupas, serviçais, cores de toalhas e tapetes. Tudo importava mais. As anfitriãs sorriam com tantos dentes nas notícias que pareciam prestes a morder uma a outra.

A última noite da menina chegara, e o céu estava mais claro que sua vida. Fitando as grades da janela, lembrou que pássaro de gaiola não sobrevive no ar. Olhou para seu corpo, tão sem vida, e percorreu as mãos por toda parte, demoradamente. Encontrou abaixo do umbigo, um lugar quente para dedilhar. Ficou ali descobrindo e despertando um tanto de si. Adormeceu. 


O dia chega violento, antes de abrir os olhos, o barulho das cinco profissionais de beleza no quarto saúda a noiva. Seguindo instruções minuciosas das contratantes, o discurso motivador acompanhado de muito blush, esmalte e sombra: - "hoje você vai brilhar". O relógio entediado, anda sem sair do lugar. Após muitos piscares de olhos e bocejos, eis que ela está pronta. 
Um carro a espera na calçada, junto dele um motorista com terno branco e olhos sorridentes. Espanto. Faísca. Ao abrir a porta, uma pergunta: "Então essa é sua grande noite?", ela faz que sim com a cabeça. Sua boca pesando batom entortou e quase sorriu.  


Dentro da igreja, a música começa, tapete e portas se abrem. Caminha a marcha em andar firme e sério. Aqueles desconhecidos falsamente sorrindo, aquelas senhoras chorando, relembrando as próprias frustrações ao olhar pra vida jovem que querem ceifar. Olhava um a um. Nada era sincero. Fim do percurso. Um beijo na testa posado para câmeras. Os homens se abraçam e trocam a refém. Jamais saberemos quanto custou esse acordo.
Outro homem celebra a farsa, diz um tanto de palavras vazias de proveito, tenta algumas piadas para descontrair o ambiente, mas no altar não se vê reação. Chega a hora da pergunta, microfones apostos, alianças ao lado. "Carlos, você aceita a Sra. Verônica Brito de Alencar como sua legítima esposa, para amar e respeitar, na saúde e na doença, na riqueza ou na pobreza, até que a morte os separe?”

- Sim.

"Sra. Verônica, você aceita o Sr. Carlos Fernando Albuquerque Almeida Junqueira Júnior como seu legítimo esposo para amar e respeitar, na saúde e na doença, na riqueza ou na pobreza, até que a morte os separe?”




Era a primeira vez que lhe perguntavam o que queria. E ela pôde responder de todo coração.
Aquelas três letras que quando ditas mudam o curso da história.


Pode ser que não sobreviva fora da gaiola, mas se dava o direito de tentar.


Janaína Moitinho
setembro-16



*

Tema: Aquilo que não havia, aconteceu.
Após leitura e análise de Guimarães Rosa em a "Terceira Margem do Rio"
Oficina “Soltando a língua” com Marcelino Freire, Sesc Ipiranga.

*


quinta-feira, 1 de setembro de 2016

~ cachalote ~



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de volta ao ventre
de onde ninguém jamais haveria de ter saído
sinto o cheiro de tudo que está fora

o asco me acompanha
embrulhando os minutos da espera

o ser que me abriga mergulha
e me obriga a girar

não há chão seguro
ventre só acolhe na primeira vez

de agora em diante não há mais vida
o impulso é de morte
e o mundo quer é repelir


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jm






*exercício para a oficina de escrita "Soltando a língua" com Marcelino Freire, agosto-16