domingo, 27 de julho de 2014

Fôlego


Aquele que nos tira o fôlego,
Alguma hora precisará devolver.

Não há romance na morte por asfixia.


(jm)


domingo, 13 de julho de 2014

[O texto que deu nome ao blog]


Através de amigos em comum, esse texto me chegou aos olhos (e coração):

Panflêto Inútil

A solidão reconhece-se aos poucos.
Às vezes é tarde demais quando se a percebe.
Está no não sorrir pro porteiro, no edifício.
Está no cigarro queimando na boca.
Na hora exata em que não se atende ao chamado.
Na preguiça da manhã.
Atravessar o túnel vazio, de noite.
Amar os gatos.
E não sorrir por inteiro no carnaval.
Não sorrir por inteiro jamais.
Ficar de pijama até tarde.
Saber-se só na manhã, e gostar disso.
E ter surtos de saudade apaziguados num telefonema, de tarde.
E saciar-se nele
E logo sentir-se pleno ao bom dia do jardineiro,
da môça da farmácia, do gari.
A solidão reconhece-se olhando pro céu,essa bobagem sem fim.
Nas horas paradas de fazer a barba. No auto flagelo.
“ Não flagelarás ninguém”, deveria ter dito.
E na solidão, o flagelado é você.
Olhando a urina no vaso,
Relendo Rimbaud no sofá
Passando manteiga no pão
Contando segredo ao garçom.
A solidão reconhece-se no casamento da prima ruiva.
No porre tomado ali.
No esquecer –se as palavras da mãe, da avó e do pai.
Nas horas a fixar-se em você, em cravos, estrias, em poros abertos.
Está na cigarra e não na formiga.
No tigre, e nunca no lôbo.
Na tartaruga do mar,
No retrato,
No autista,
No meio do mato.
Está na óstia da primeira comunhão.
No vírus cruel dos sangues.
Na hora de escovar os dentes
Na hora de sonhar também.
Está no homem de terno da ponte -aérea.
Na demonstração dos métodos de segurança da môça aeromoça.
No ganido do cãozinho que saiu da toca,
Na mulher cujo filho morreu,
Na presidência de uma república.
Na overdose de pó,
No sorriso de Elis Regina,
No Farol da Barra,
No poema, na ressaca e em Deus.
Reconhece-se na espera pelo amante e logo depois do gôzo.
E na rosa colhida,
Na hibernação do urso,
No cofre do banco ,
Na cadeira vazia,
Nas migrações em massa,
No ovo.
Em Narciso, Medéia e Pierrô.
Em Chaplin, em Van Gogh, em Greta Garbo.
A solidão está na meninice e também na velhice das gentes.
No leito final, cheio de flores.
Caixa eletrônico, celular, células.
As células são a própria solidão ladeada por outras solidões.
Unidas, formando o tédio e sós.
O casamento dos homens é a própria solidão,
O não estar no grupo: um retirar-se.
Duras, Graciliano Ramos, Kazuo.
A solidão é como no início de tudo.
O outro é a explosão de vida e de dor.
Você é a pulsão sozinha de um milagre sem nome,
Que orbita em torno de infinitas solidões.
Girando, sozinho.
Reconhece-se no prazer que o toque da sêda nos causa ao vestir.
Na hora do assalto à mão armada, e na primeira masturbação.
Quando se chega ao topo do môrro, e quando se cai de joelhos.
Ao acender uma vela,
Ao maldizer um patrão,
Ao se regar uma planta,
Ao desistir-se do amor.
Defronte ao espelho,
Atrás da Matriz,
No Belo Horizonte,
Na catástrofe, qualquer uma.
A solidão se aconchega na prece, na reza e na maldição.
É a avó quando costura,
O lavrador e seu cavalo,
A menina menstruando,
O soldado da guerra,
De novo, o poema.
O cacto, a tartaruga,
A estrêla, a pipa no céu,
Ranho de nariz, sapos.
Sapos são solitários. Acho.
E pessoas.
Mas em pessoas, a solidão dói mais.

(Mateus Nachtergaele, 28 de janeiro de 2013)

 O trecho:

 "Você é a pulsão sozinha  de um milagre sem nome,
Que orbita em torno de infinitas solidões.
Girando, sozinho."

 reverberou muito em mim, muito.

Pedi autorização ao Mateus, e carinhosamente ele permitiu que eu publicasse aqui. Até para que mais pessoas possam ser tocadas, assim como eu.

Pra mim Arte é isso, um constante "salvar" vidas, a de quem faz, se expressa, e as daqueles que a contemplam, que são atingidos e se sentem representados, de certa forma lidos, desvendados. Grata por toda inspiração do Mateus, e também pela generosidade em permitir-me publicar esse texto feito por ele, mas que já sinto tão (m)eu.

Leiam, sintam, inspirem-se.


É tudo sobre você


É tudo sobre você.
Tudo!
Absolutamente.

Do detalhe
ao corrente

O que agrada
O que enfrentas

As perguntas e
respostas,
todas.

É tudo sobre você.

Jeito de andar
ou correr
de olhar
de pensar
a si e aos outros

O que amas
o que odeia.
Por que(m) te inflamas.

É tudo sobre você.

E no caso
-específico-
do poema...
é sobre mim,

mas agora que o li,
é sobre você também!

se pensar bem,
no fundo
é tudo
"eu"
em você.

[sobre o ego e suas armadilhas inescapáveis]

(jm)

Curva e tropeço


Não há vida
sem curva

É preciso
sair da linha
do eixo

Se faz fundamental
o tombo

Ajuda a desenhar
ondas de vida

Emoções
erros
acertos

encontros
beijos
e adeus

inícios
meios
fins

sempre
recomeço

O segredo
e a beleza
de tudo

no tropeço.


(jm)


Sobre pedaços


Um pedaço teu
Flutua no mar eu

Mande outro
E outro
E outro

Guardo e aguardo
Parte por parte
Até que estejas
Inteiro
Imenso
A se confundir
Em mim


(jm)


terça-feira, 8 de julho de 2014

Na periferia


é na periferia que o sangue escorre,
é no bolso dos grandes que a grana some.

alimento habitação
saúde saneamento educação
os impostos são pra isso
mas cadê devolução?
a grana por aí acumulando a fortuna de alguém
em aplicação

a gente paga a conta
desde a hora que nasce
trabalha pra enriquecer um grupo
e seguir suas 'leis'

e se você se negar,
se se você destoar,
aaah
pode esperar que ele vem - ou manda - te cobrar.

hoje é dia de lágrima escorrer
em minhas veias corre sangue
na rua também

(jm)


em  29/10/13 para Douglas Rodrigues
"por quê o senhor atirou em mim?"

AMétrica


por medo da MÉTRICA
muita gente deixa de ser poeta

por medo da métrica
MUITA GENTE deixa de ser poeta

por medo da métrica
muita gente deixa de ser POETA


foda-se ela.


(jm)
março/14

Cinza, tristeza e pijama


uns querem morar em poemas
outros em corações
e corpos em chamas

eu hoje só peço pra que me deixem
na cama,
vestindo dos pés a cabeça

tristeza como pijama.

[sobre um_a manhã sem sol]

(jm)
17/05/14

Filhos da mãe natureza



apaixonam-se facilmente
as pessoas
que olham o mundo
com atenção

são apaixonantes
os filhos
deste vasto mundo

todos com suas
infinitas belezas

afinal,
são filhos legítimos
da mãe natureza

amar as paisagens
amar os animais
amar as pessoas

encarar ao redor
como habitat
e o outro
como irmão

nem maior nem menor
todos com seu
inestimável valor


(jm)

Choro ou fortaleza?


chora
chora a humanidade
que em teu peito
vigora

não é vergonha
alguma
mostrar fraqueza

fortalezas
impedem aproximações
repelem e assustam

se você desmoronar
aquiete o coração
amores amigos
estarão por perto
pra ajudar a remontar-te

e nessa obra
quem sabe
tu não ganhe
partes novas?
e grandes motivos
pra comemorar?

(jm)